Além de uma tradição pascoal, os chamados easter eggs (ou ovos de páscoa, em bom português) são um verdadeiro fenômeno do mundo digital. Escondidos em jogos, sistemas operacionais e até em softwares mais “sérios”, como aplicativos de produtividade, eles costumam assumir a forma de piadinhas e/ou referências a algum assunto qualquer — geralmente vindo da cultura popular.
A Apple, como toda boa empresa de software que se preze, também já brincou com esse conceito algumas vezes, inclusive em um dos seus produtos mais antigos e populares: o macOS — isso desde que ele se chamava “Macintosh System Software”.
O sistema operacional já trouxe uma variedade de easter eggs em seus códigos ao longo das suas várias décadas de existência, seja em lugares mais óbvios (como em ícones de apps e submenus) ou em cantos mais obscuros do software (como em diretórios extremamente específicos do Finder e no bom e velho Terminal).
A seguir, vamos revisitar alguns dos principais easter eggs do macOS e tentar desvendar os seus respectivos significados. Shall we?
24 de janeiro de 1984
Assim como 1998, 2001 e 2007, o ano de 1984 com certeza está entre os mais importantes da história da empresa fundada por Steve Jobs e Steve Wozniak. Digo isso pois foi nesse momento que a empresa lançou o primeiríssimo Macintosh — sim, aquele mesmo do icônico comercial no intervalo do Super Bowl.
Para eternizar esse momento no seu software, a Apple decidiu tornar aquele 24 de janeiro de 1984 a data de criação padrão exibida pelo macOS quando você decide abrir as informações de um arquivo que ainda não terminou de ser baixado da internet.
Para visualizar esse easter egg, basta baixar qualquer arquivo da internet, clicar sobre ele com o botão direito do mouse (ou com os dois dedos no trackpad) e selecionar a opção “Obter Informações” (“Get Info”) — mas seja rápido, pois você só vai conseguir ver a data em questão enquanto o download ainda não tiver sido finalizado; se ele finalizar, a data será atualizada para o dia correto/atual.
Clarus
Outro easter egg que faz referência a algo que acompanha a Maçã desde a década de 1980 envolve o teclado de emojis do macOS, o qual pode ser invocado com o atalho de teclado ⌃ control ⌘ command barra de espaço ou simplesmente pressionando tecla com um globo (a qual também funciona como a tecla fn).
Acontece que, se você digitar “Clarus” no campo de pesquisa, o teclado de emojis lhe retornará justamente com a figura de um cão e de uma vaca… mas, por que isso?
Essa brincadeira não é nada mais do que uma referência à Clarus — uma imagem em bitmap de uma criaturinha híbrida entre um cachorro e uma vaca, que era usada em Macs mais antigos para indicar a orientação de um documento na hora de imprimi-lo. O mesmo resultado pode ser obtido ao digitar o nome desse curioso animal no campo de busca de emojis.
Criada por Susan Kare para a fonte Cairo Dingbat — que vinha com o Macintosh original em 1984, diga-se —, ela acabou virando uma espécie de mascote do time de engenheiros da Apple com o passar do tempo.
Depois de um tempo no ostracismo, a Clarus voltou a ser o ícone que indica a orientação de um documento com o macOS Ventura 13, em 2022. Para visualizá-la, basta abrir a janela “Configuração da Página” em um app como o Pages, por exemplo — coisa que pode ser feita clicando em “Arquivo” na barra de menus.
Sosumi
Ainda seguindo a temática oitentista, temos um easter egg no macOS que faz referência a uma briga judicial entre a Apple e a… Apple Corps — empresa criada pela icônica banda britânica The Beatles e mantenedora da gravadora Apple Records.
Mesmo que você nunca tenha ouvido falar dessa história, não é difícil imaginar por qual razão o grupo formado por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr (e toda a sua equipe jurídica, é claro) teria entortado o bico para a gigante de Cupertino. A semelhança entre os nomes das duas empresas era um verdadeiro processo pronto para eclodir, o que eventualmente aconteceu em 1978.
Como vocês já devem ter antecipado, nada de muito drástico aconteceu com a empresa americana depois do início desse imbróglio. Entretanto, a Apple teve que se comprometer a continuar atuando apenas como uma empresa de computadores e a não embarcar em nenhuma aventura no mundo da música — tudo isso para não receber outro gancho no futuro.
Acontece que ela ainda precisava criar alertas sonoros para os seus computadores, o que, é claro, acabou acontecendo — despertando, assim, a ira dos britânicos mais uma vez. Para garantir que a empresa não estivesse tentando colocar os seus pés na indústria fonográfica com esses alertas, a Apple Corps processou sua xará mais uma vez, impedindo-a de dar nomes para esses áudios que contassem com qualquer conotação musical.
Como uma forma de contornar essa limitação imposta pela empresa dos Beatles e, ao mesmo tempo, provocá-la, o designer de som da Apple na época, Jim Reekes, decidiu batizar um dos efeitos sonoros que havia criado para os Macs de “Sosumi” — palavra que, de acordo com ele, tem origem na língua japonesa e definitivamente não representa nada musical.
O “pulo do gato” está mesmo na semelhança que essa palavra tem com a frase em inglês “so sue me” (“então me processe”), especialmente quando falada em voz alta. Em japonês, de acordo com o bom e velho Google Tradutor, “So sumi” (“粗済”) significa “liquidação bruta”.
Reekes tomou essa decisão logo depois de tentar nomear o mesmo alerta de “Let It Beep”, numa clara alusão ao sucesso “Let It Be”. Depois de ter sido barrado pelo departamento jurídico da Apple, o designer teria falado justamente “so sue me” . Tempos depois, ele reenviou a sua criação com o título final.
Hoje em dia, o som de alerta “Sosumi” pode ser encontrado em Ajustes do Sistema » Som » Som de alerta, mas com um outro título: “Sonumi”. Entretanto, o mesmo áudio ainda pode ser conferido com o seu nome original no diretório /System/Library/Sounds/
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Tela azul da morte
Isso aqui não seria um artigo sobre a história do macOS (ou pelo menos parte dela) que se preze sem um pouco da boa e velha rivalidade entre o sistema da Apple e o Windows, da Microsoft, não é mesmo? Para a nossa felicidade, a Apple não nos decepcionou nesse quesito.
Quem já viu alguma keynote da empresa ou se aventurou pelos seus documentos de suporte com certeza já viu algum PC com Windows ser representado pela imagem de um computador no mínimo… antiquado, principalmente quando colocada lado a lado com uma imagem de um Mac mais recente — isso também acontece com os smartphones e tablets Android, vale notar. No macOS, porém, a Maçã pegou ainda mais pesado com o sistema da concorrente.
Se você estiver conectar máquina Windows a uma rede que também conta com um Mac entre os seus participantes, poderá ver que ela será representada na aba lateral do Finder por um ícone de desktop no mínimo… vintage, com direito a um monitor CRT1 amarelado e tudo. É possível notar até mesmo a famosa tela azul da morte — clássica tela de erro do sistema da Microsoft.
Esse ícone (public.generic-pc.icns
) também pode ser visualizado em toda sua glória no seguinte diretório: /System/Library/CoreServices/CoreTypes.bundle/Contents/Resources
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Disco de vinil (foto de perfil)
Ícones são mesmo uma verdadeira mina de ouro em se tratando de easter eggs no macOS. Se você começar a prestar atenção em alguns dos apps mais usados desse sistema operacional, com certeza notará algumas referências a produtos e outros elementos do folclore que rondam a trajetória da gigante de Cupertino.
Um desses elementos, como não podia deixar de ser, é o célebre cofundador da empresa, Steve Jobs. Algumas referências são mais óbvias, como aqueles óculos que representam o recurso de Lista de Leitura no Safari, mas existem outras dezenas em vários cantos do sistema que não estamos muito acostumados a olhar de perto.
Uma delas pode ser encontrada ao navegar até o submenu “Usuários & Grupos”, nos Ajustes do Sistema. Nessa tela, clique na sua foto de perfil e, na janela que se abrirá, selecione a categoria “Sugestões”.
Lá, você será recebido com uma série de opções de avatares para serem adicionados ao seu perfil. Um deles, se você olhar bem, se trata de um disco de vinil. O pulo do gato, porém, está mesmo no rótulo desse disco, que além de trazer os dizeres “Made in California” (“Feito na Califórnia”), também conta com o que parece ser uma lista de músicas com nomes aparentemente desconexos, como “Magic” (“Magia”), “Revolution” (“Revolução”), “Boom!” e “Unbelievable” (“Inacreditável”).
Quem assistiu a uma keynote da Apple na era Jobs com certeza já matou essa charada. Entretanto, caso ela ainda não esteja muito clara para você, essas “músicas” nada mais são do que algumas das palavras preferidas de Jobs — ou pelo menos as que ele mais costumava falar durante suas hipnóticas apresentações.
Homenagem bacana, não é?
“Here’s to the crazy ones”
Erroneamente associado a Jobs, o poema “Here’s to the crazy ones”, escrito por um coletivo que incluía nomes como Rob Siltanen e Lee Clow, fez parte da muito bem sucedida campanha de marketing “Think Different” (“Pense Diferente”), veiculada logo após o retorno do ex-CEO da Apple à empresa, na metade dos anos 1990.
Esse poema marcou tanto a história da empresa que até hoje ele pode ser encontrado em várias partes do sistema da Apple. Uma das mais óbvias é o menu de Telas nos Ajustes do Sistema.
Ao acessar esse menu, você será recebido com três opções de escalonamento do display, as quais lhe permitem “desbloquear” mais espaço útil na tela do seu Mac ou tornar o conteúdo exibido mais legível. Existem, ao todo, quatro opções de resoluções diferentes que você pode escolher para o seu computador.
Se você prestar atenção nessas opções, verá que elas são representadas por uma janela do sistema com um texto de exemplo. Quem for ainda mais atento, verá que esse texto é justamente o poema supracitado.
Na verdade, versos desse poema podem ser notados em uma variedade de cantos do macOS, desde emojis até ícones de arquivos — muitos dos quais não são exclusivos do sistema do Mac, vale notar. Alguns exemplos são os emojis de livro aberto (), pergaminho (), recibo () e muito mais.
Praticamente todos os ícones que representam arquivos de texto no macOS contam ou já contaram com algum verso de “Here’s to the crazy ones”, incluindo o de Texto simples (Plain Text) e Swift:
Quem quiser saber mais um pouco sobre a história desse poema e o seu impacto na trajetória da Apple, esse artigo publicado pelo designer Basic Apple Guy (em inglês) está bem completo e traz algumas imagens bem bacanas, além do poema/manifesto na íntegra.
Gravador e Bolsa
Eu sei, eu sei. Os dois easter eggs a seguir não são exatamente exclusivos do macOS, estando presentes também no iOS, no iPadOS e até mesmo no watchOS. Acontece que, como o sistema dos computadores da Apple conta com um estilo próprio — algo que se estende para os ícones dos apps —, eu achei que eles também poderiam entrar para esta lista.
O primeiro dele diz respeito ao app Gravador (Voice Memos). Se você prestar atenção no ícone desse app, verá que ele traz uma onda sonora em destaque. A curiosidade aqui é que essa onda sonora é nada mais é do que a onda que é gerada quando alguém fala “Apple” durante uma gravação. Duvida? Tente aí com o seu app e veja o resultado!
Outro app que esconde um segredo desses é o Bolsa (Stocks). Mais uma vez, se você se atentar ao ícone dele, verá um gráfico que, num primeiro momento, parecerá completamente aleatório, escolhido apenas para ilustrar a função principal do app.
Pois bem, reza a lenda que esse gráfico representa, na verdade, o momento em que as ações da Apple superaram as da Dell, em 2006. Essa referência seria, dessa forma, uma alfinetada de Jobs em Michael Dell, fundador e ex-CEO da empresa — o qual disse em 1997 (pouco depois de Jobs retornar à gigante de Cupertino) que fecharia as portas da empresa e devolveria o dinheiro para os acionistas caso estivesse no comando da Maçã.
Segundo ex-funcionário da Apple na época, Jobs teria dito “F#d@-se o Michael Dell!” depois de descobrir o que o seu rival tinha dito. Ao que tudo indica, Jobs guardou sim rancor e aplicou essa elegante e sutil vingança anos depois sorrateiramente no seu sistema. Baita “fofoca”, não?
Bônus: animações lentas
Esse item talvez possa não ser um easter egg propriamente dito, mas é algo no mínimo curioso do macOS que muitas pessoas sequer sabem existem — isso mesmo após anos usando um Mac.
Como qualquer sistema operacional se preze, o macOS é repleto de animações diferentes, seja na hora de minimizar uma janela (efeito gênio) ou de criar uma pasta. Eles não só tornam o sistema como um todo mais fluido (pelo menos no sentido visual), como também o deixam mais divertido de se usar.
Se por acaso você realmente gosta desses efeitos e gostaria de vê-los com mais calma, saiba que, em muitos casos, basta segurar a tecla ⇧ shift enquanto realiza uma ação para visualizá-la em câmera lenta. Abaixo podemos ver esse truque em ação ao criar uma nova pasta com itens da mesa:
E aí, sabe de mais algum easter egg do Mac que acabou ficando de fora desta nossa lista? Comente abaixo!